sáb. jul 27th, 2024
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AUTOR: Dalton Paula
DADOS BIOGRÁFICOS:Brasília, Brasil, 1982
TÍTULO:Zeferina CRÉDITOS DA FOTOGRAFIA: MASP

Década de 1820, nos subúrbios de Salvador- BA.

Como recomendação peço que antes de entrar nessa história ancestral, coloque a música da Mc Tha, Rito de Passá ao fundo….

“Abram os caminhos

Abram os caminhos

Abram os caminhos

Abram-se os caminhos

A flecha atirei

Onde caiu guardei

O céu relampiou

A chuva vai chegar

Meu corpo foi ao chão

Na palha pra curar

Lavei a alma então”

[…]

         Foi uma mulher negra, guerreira e no registro do saber popular por meio da tradição oral, o famoso “boca-a- boca”, seus feitos foram contados de geração em geração, de mãe para filha, até suas netas e seus descendentes.

Zeferina, ficou conhecida como a rainha do quilombo Urubu, uma liderança em busca da libertação dos povos oprimidos, seu grupo era formado por homens e mulheres negras e por  indígenas, aqueles que na linha do tempo histórico cunharam seu grito de liberdade com tamanha coragem e perseverança, permeando nas entrelinhas de suas ações o sentido de coletividade pautado pelos modelos de civilização africana.

Edna Carvalho interpreta Zeferina no documentário — Foto: CHIQUINHO OLIVEIRA / DIVULGAÇÃO

Buscando abrigo e um bom lugar os ex-escravizados fugidos, alforriados e os indígenas, seguiram mata adentro, chegando onde atualmente fica o parque São Bartolomeu, situado entre Pirajá e o Subúrbio Ferroviário da capital baiana, construindo ali a sede do quilombo. Zeferina norteava os seus por meio das religiões de matrizes africanas, as águas que banham o parque são consideradas um santuário para o povo de Santo, onde por vezes foi palco dos cultos do candomblé e da umbanda,  suas cachoeiras são nomeadas por  Oxum, Oxumarê, Tempo e Escorredeira, tamanha a importância deste lugar para o povo preto.

Os métodos ancestrais aprendidos em África foram aplicados por Zeferina como uma maneira de assegurar a vida dos que estavam ali e também sua sustentação administrativa, política e cultural. O resgate das estratégias dos seus mais velhos era um guia para a libertação, assim como a religião afro-brasileira representava sua potente ligação espiritual e norte da tão almejada quebra das amarras do sistema escravocrata.

A rainha, como representante do quilombo, tinha estratégias ímpares e uma percepção astuta, entendia que para conseguir a libertação dos negros em Salvador -BA, era preciso invadir a cidade e matar os brancos escravagistas.

Imagine o cheiro da mata, o som emanado pelas cachoeiras, as águas caindo em meio às pedras… os gritos por liberdade, vá devagar… inspire e expire, tem muito barulho, os pássaros estão ecoando gritos, e você consegue sentir essa potente batalha.

Recomendo que escute Spirit, de Beyoncé……. , para prosseguir nessa jornada.

“Your destiny is coming close

Stand up and fight

So go into a far off land

And be one with the Great I Am”

“Seu destino está chegando

Levante-se e lute

Então vá para aquela terra distante

E seja um com o Grande que Eu Sou”

Antiga Praça da Sé – Salvador BA

A revolta do povo do quilombo ficou anunciada para o natal, como Zeferina avisou ainda aprisionada no Forte Mar, onde eram presos todos os escravizados fugidos.    Entretanto a batalha foi antecipada para o dia 17 de dezembro de 1826, quando alguns capitães do mato foram ao encontro dos mocambeiros, numa tentativa de surpreender todos e colocá-los de volta na senzala. Os torturadores achavam que no local teria uma quantidade pequena de pessoas, mas se depararam com cinquenta homens e mulheres munidos de facas, arcos, flechas, facões e espingardas.

         Desse modo, três torturadores foram mortos e os outros fugiram gravemente feridos, ao escaparem do levante, já nas matas do Cabula, encontraram José Baltazar da Silveira, líder da tropa, com soldados e um cabo, os quais estavam nos arredores de São Bartolomeu para destruir a revolta. Estavam todos altamente preparados, com armas de fogo e ainda contavam com mais vinte homens da milícia de Pirajá para conter o Quilombo Urubu.

A Rainha Zeferina, com seu arco e flecha em mãos e junto ao seu povo, destemidamente confrontou todos os soldados, que por ordem do capitão abriram fogo contra os mocambeiros e estes, mesmo estando em uma batalha desigual, resistiram, aos gritos de “Morra branco e vivo negro! Morra branco e vivo negro!”

Como colocado em “Mulheres Negras do Brasil” escrito por Schuma Schumaher e Érico Brazil, ela soberanamente conduzia parte da resistência negra em Salvador. Segundo relatos da época, a rainha guerreira “custou muito a se entregar, antes fazia muita diligência para se reunir aos pretos dispersos”.

Ao final do conflito, quatro aquilombados foram assassinados, alguns foram aprisionados juntamente com Zeferina. O comandante e toda sua guarnição, numa tentativa de demonstrar poder, humilharam a rainha e levaram-na amarrada até o centro da província de Salvador, onde atualmente localiza-se a Praça da Sé. No decorrer do caminho Zeferina sofreu de todos os modos possíveis, pela derrocada do quilombo, pela morte dos seus e pelas humilhações e ofensas dos escravocratas.

Potente como era Zeferina, não deixou-se abater, convicta nos seus ideais, guiando-se sempre pelos saberes africanos e pela religião ancestral, a guerreira considerava que mesmo perdendo naquele levante, seus esforços não eram em vão, estavam para além do que poderia alçar com seus olhos, serviam de inspiração para novos levantes da resistência negra.

A rainha demonstra como é enganoso a historiografia comum, que apaga sua história, que tenta silenciar o povo preto, os colocando num lugar de passividade em relação a escravidão, afirmando que a Princesa Isabel teve bondade e que por misericórdia “libertou os negros”. Nossa libertação foi cunhada por nosso próprio sangue, suor e estratégias, foi conduzida por homens e mulheres negras juntamente com povos indígenas e tiveram personalidades marcantes como Zeferina.

Ela estava certa sobre seus feitos estarem além do que ela poderia alçar com seus olhos, atravessando o passado, a rainha negra se faz presente nas mulheres da Comunidade Guerreira Zeferina.

Uma comunidade que lutou muito para conseguir tratamentos dignos, formado majoritariamente por mulheres negras que, inspiradas em Zeferina, também cunharam seu grito de liberdade, de luta e coragem.

No documentário produzido pela prefeitura de Salvador, os moradores narram a sua história de muita luta, de preconceito, e estereótipos por morarem no lugar que inicialmente era formado por barracos de lona e madeira, o que deu nome à “Cidade de Plástico”.  

Foram mais de uma década sobrevivendo em condições precárias e resistindo nesse lugar.

Uma das moradoras entrevistadas fala que “Nossa herança é o nosso poder” e foi conhecendo a história de seus antepassados que chegaram a Zeferina e por identificação com sua coragem, se intitulam “As Zeferinas”.

No dia 06 de abril de 2018, a prefeitura entregou novas moradias para a população, o lugar foi revitalizado com novos equipamentos e infraestrutura, contando com espaço para lazer e uma escola.

Para saber mais sobre a comunidade:

Documentário:  Zeferinas – Guerreiras da Vida ( legendado)

Notícia: Prefeitura entrega apartamentos para moradores da antiga Cidade de Plástico

https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/prefeitura-entrega-apartamentos-para-moradores-da-antiga-cidade-de-plastico/

https://masp.org.br/acervo/obra/zeferina

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Noemy Ariane Tomas

Noemy Tomas, militante negra, cientista social em formação pela PUC Campinas.
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By Noemy Ariane Tomas

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