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Marc Ferrez, 1885. (Domínio Público)

No final do século XVI o Reino do Congo passava por grandes conflitos entres as comunidades negras existentes de Angola e do Congo, guerras estas financiadas pelos colonizadores portugueses. Não é de hoje que a branquitude utiliza-se da estratégia de colocar ou aproveitar-se de disputas entre o povo preto para benefício de si próprio, no caso do Reino do Congo, para proveito do sistema escravocrata.

Aqualtune foi uma princesa africana, seu pai era o rei do Congo. Numa das disputas entre os povos africanos eles foram derrotados, a liderança de aproximadamente 10 mil pessoas, em defesa da cultura de seu povo e de seu futuro, não foi suficiente para conter os mercenários financiados pelos portugueses. O rei do Congo foi decapitado e sua cabeça foi exposta como símbolo da derrota do seu reino.

Aqualtune e seu povo foram levados ao mercado de pessoas escravizadas para serem  vendidos  e desumanizados em terras brasileiras. Sendo transportada em condições insalubres, muitas vezes junto a seus irmãos de sociedades diversas, estavam expostos a doenças tenebrosas, submetidos a espaços minúsculos. O medo do futuro de aprisionamento de seus corpos, mentes e almas os assombravam durante esses trajetos.

O navio negreiro aportava em 1597 no Recife, na mesma data em que homens e mulheres negras foragidos entraram mata adentro da Serra da Barriga, constituindo os primeiros sinais do que posteriormente seria o Quilombo de Palmares. A princesa, mulher africana de origens nobres com características corpóreas atrativas, forte e com uma beleza encantadora foi vendida, já grávida, como reprodutora para uma fazenda em Porto Calvo, o que lhe conferiu inúmeros estupros para gerar novos corpos pretos para serem utilizados de acordo com os interesses dos brancos escravocratas.

Muitas mulheres negras foram usadas como máquinas reprodutoras para dar suporte ao sistema escravocrata, eram desumanizadas e seus corpos violentados para uso dos interesses dos torturadores, ferramenta essa que atravessou de forma cruel as relações entre os homens e mulheres negras, dos quais foram arrancados o direito de constituir laços afetivos. A formação de famílias era interrompida, em sua maioria, pelo estupro de corpos negros e, principalmente para a manutenção econômica da escravidão, o estupro dos corpos femininos.

Foi nas terras de Porto Calvo que Aqualtune teve conhecimento das fugas de escravizados, da formação de quilombos e das lutas de resistências do povo preto, em específico de um abrigo de africanos livres. Com espírito guerreiro, mesmo em estado de gravidez ela acabou liderando um grupo de pessoas que partiram à procura de um quilombo.

Aqualtune teve papel fundamental para a formação do local que mais tarde seria conhecido como “A Nova Angola”, o império mata adentro. Para além de título nobre sua astúcia e conhecimento sobre estratégias de guerra e liderança foram reconhecidas pela comunidade e ela acabou a frente da organização do quilombo. Sua trajetória foi marcada pela liderança exemplar. Seu espírito de poder ancestral percorreu as veias de guerreiros, Ganga Zumba estava entre seus filhos e Zumbi foi seu neto, que honrou a sua memória como o último líder de Palmares. 

Para o final da vida dessa guerreira temos muitas incertezas, a política de apagamento de personalidades negras provocadas pelo sistema escravagista no Brasil atua sobre a história de Aqualtune. Na narrativa oral e parte central da memória popular relatam que ela teria sido assassinada na vila onde ela estava vivendo, já mais velha, junto a outros idosos da aldeia, outros acreditam que ela teria conseguido fugir. Existe ainda uma lenda que os deuses em África teriam tornado a princesa em um espírito ancestral que guiou seus guerreiros até os dias finais do quilombo dos palmares, no ano de 1694.

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Noemy Ariane Tomas

Noemy Tomas, militante negra, cientista social em formação pela PUC Campinas.
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By Noemy Ariane Tomas

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