Vanessa Rodrigues
Professora e Psicanalista
Há algum tempo atrás, em um País muito branco – na verdade nem tão branco assim… era branco, mas não chegava a ser branquíssimo – morava o Príncipe Patriarcado. Lá já vivia cercado por todo o luxo que lhe achava devido. Mesmo sem ter muito espaço para plantar e colher, pouco banho e muitos pernilongos, se sentia pleno em seu pequeno poder… que não era tão pequeno assim… Ora! Ele era o Patriarcado… Mais respeito!
Cansado de estar ali, como filho da Rainha Dominação e do Rei Destruição, pensou que talvez fosse o momento de se casar. Era necessário que propagasse seus domínios. Aumentasse suas posses. Elevasse seu poder… Em dado momento, o que parecia seu, configurava-se pouco: simples e sem vida. Mas quem se atreveria a desposá-lo? Sua fama de poderoso e implacável já tinha percorrido por todo o Reino. E nenhum ser, minimamente disposto de poder de raciocínio, seria capaz de aceitar essa empreitada. Nem mesmo a ideia do “poderio que poderia” ser concebido a tal companheira, era o bastante para que alguém concordasse com essa união.
O Príncipe Patriarcado era mimado. Sua mãe, a Rainha Dominação, lhe dava tudo o que queria: Toda a Terra, todo o Riso, toda a Vontade, todo o Desejo… Tudo que a Dominação conseguia, era do Patriarcado. Mas não conseguia lhe dar uma companheira. Foi então que a Rainha resolveu ter com o Rei Destruição. Era necessário que eles tivessem uma ideia de como conseguir alguém para esse menino (Ney), tão solitário. Inicialmente pensaram em promover o encontro com uma prima distante da Rainha, a Princesa Soberania. Mas logo desistiram, pois a Rainha Dominação conhecia bem como era difícil convencer a Soberania a se curvar ao Patriarcado. O Rei Destruição, sugeriu sua Irmã mais nova, a Princesa Derrota, mas logo desistiu por considerá-la pouco edificante, sem contar os laços consanguíneos e muito próximos ao Príncipe Patriarcado. Eis que surge uma ideia esplendorosa. Digna de nobres daquela estirpe.
Era necessário revisitar alguns conceitos, ora essa! Porque não pensaram nisso antes? É claro, a irmã mais nova da Princesa Servidão, a Escravidão. Ela ainda jovem, pode não perceber que será submetida. Mas havia mais uma questão: ela poderia não concordar. Apesar de já existir, precisava vir vestida sob outros trajes. Foi então que chamaram uma modista da corte… que estava em alta: Mme. Desumanização para criar os trajes da noiva do Patriarcado. E lá… desse país muito branco, saíram em busca da Escravidão. Mas não é uma qualquer que se chame Escravidão. Mas sim “A” Princesa Escravidão que vestiria os trajes de Madame
Desumanização – mesmo que a força – para que fosse possível o matrimônio.
Do outro lado do planeta encontraram-na pequena, mal nutrida e sem forças. Foi fácil vesti-la com as roupas da Madame Desumanização e trancafiá-la, levando-a a seu destino. Indócil, o Príncipe Patriarcado esperava com seu poder em riste para possuí-la. Dela tiraria forças para a continuidade da sua prole. Quando o navio aportou, lá estava ela, prostrada, cansada e sem forças. Sua boca estava amordaçada. O Príncipe não era fluente em sua língua. Apenas levantou seu vestido e sem a menor roga a penetrou profundamente. Gozou. Sorriu! Dominação – a Rainha – e o Rei Destruição se regozijaram. Finalmente seu filho estava completo. Eles poderiam seguir com seu reino pleno.
Nove meses depois a Escravidão deu a luz à Tirania. Cada vez mais envolta pelos mantos da Desumanização, A Princesa Escravidão não tinha forças. Apenas servia ao Patriarcado, aumentando sua força e poder. Mas o Príncipe queria mais. Queria uma filha que reluzisse e fosse amada por todos. O protótipo da beleza não existente. O símbolo da pureza, do imaculado. A que tudo sabe. O ponto neutro. A própria perfeição. Era isso. Tudo que o Príncipe Patriarcado quer, ele tem! A Princesa Escravidão era seu objeto de prazer e ela lhe daria uma filha assim. Para ficar forte quando prenhe, ela se encheu de leite. Tomava muito e banhava com ele. Numa noite de tempestade, Patriarcado entrou em seus aposentos. Ele a amava. Escravidão lhe era servil, submissa e silenciosa. A tentou possuir… tentou mais uma vez… outra vez… até que finalmente conseguiu. Dessa cópula indigna nasce a sua Princesa querida: a Branquitude. Muito branca – como o próprio nome já diz – cresce perversa.
Já adolescente, decide que quer mandar no Reino. Faz um pacto com sua avó, a Rainha Dominação. Precisam antropomorfizar o Rei Destruição. Resolvem servi-lo em um banquete para todos os súditos. Enrolada nas vestes de Madame Dominação, a Escravidão parece menor e mal alimentada. Subalterna aos desejos da filha e da sogra que reestrutura todo o Reino. Maravilhado pela beleza de sua filha, o agora Rei Patriarcado, desposa sua perfeita Branquitude. A Escravidão, definha até os dias de hoje em porões sujos, junto com crianças e velhos. Se aloja em manicômios com os marginais da terra e se aloca no coração dos que desejam o poder do Patriarcado e a estrutura da Branquitude. Bom… sobre estes últimos… Você com certeza os conhece. Eles venceram. Estão por aí… por todo o lado e junto com a Dominação e alguns pitacos da Tirania, continuam cada vez mais fazendo adeptos.
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